“A tecnologia avança, mas cabe aos ciclistas não serem estúpidos”, diz Tadej Pogačar após pedido por bikes mais lentas

Segurança no ciclismo de elite: o dilema entre tecnologia, velocidade e liderança.

Tadej Pogačar após pedido por bikes mais lentas Luc Claessen // Getty Images

➥ Uma temporada marcada por quedas e tragédias

A temporada de ciclismo de estrada de 2024 trouxe à tona um velho debate: o aumento das velocidades e os riscos envolvidos. Diversos acidentes graves dominaram as manchetes, destacando a necessidade urgente de soluções para a segurança do pelotão. 

Em competições como o Dwars door Vlaanderen e o Itzulia Basque Country, quedas em alta velocidade causaram lesões graves em nomes importantes do esporte, como Remco Evenepoel e Primož Roglič.

Mais trágicas ainda foram as mortes da ciclista suíça Muriel Furrer e do norueguês André Drege. Esses incidentes forçaram líderes e tomadores de decisão a reavaliar as condições de corrida e o papel da tecnologia nas bicicletas modernas.

➥ O alerta do chefe do Tour de France: "os ciclistas vão rápido demais"

O diretor do Tour de France, Christian Prudhomme, levantou a questão de que as corridas têm ficado perigosamente rápidas. 

Durante a assembleia geral da Associação dos Organizadores de Corridas (AIOCC) na Itália, Prudhomme sugeriu que medidas para reduzir a velocidade deveriam ser uma prioridade.

Ele também destacou os riscos adicionais enfrentados por equipes de apoio e motoristas de veículos em descidas de alta velocidade ou áreas urbanas. A opinião do diretor, no entanto, gerou reações divididas entre chefes de equipes e ciclistas, que consideram a questão muito mais complexa do que simplesmente limitar as velocidades.

➥ O impacto das críticas: reação da liderança das equipes

As declarações de Prudhomme foram recebidas com duras críticas por nomes influentes no mundo do ciclismo. O chefe da EF Education-EasyPost, Jonathan Vaughters, respondeu com indignação, atacando a falta de experiência prática de alguns líderes:

Me revolta profundamente ver como esses engravatados, que nunca pedalaram nem em um velocípede, ganham milhões explorando o esforço alheio e ainda têm a audácia de jogar a responsabilidade pela segurança do ciclismo nos próprios ciclistas.

Vaughters comparou os ciclistas profissionais aos pilotos de Fórmula 1, destacando que atletas competitivos, naturalmente, testarão os limites do que é possível. A solução, segundo ele, não é reduzir a velocidade, mas criar um ambiente mais seguro ao redor dos ciclistas.

Já o chefe da Groupama-FDJ, Marc Madiot, propôs uma abordagem mais radical. Para ele, o avanço da tecnologia em bicicletas, que as torna cada vez mais rápidas e aerodinâmicas, precisa ser controlado:

A Fórmula 1 nunca parou de restringir os carros. Não apenas salvou vidas, mas o espetáculo não perdeu nada. Honestamente, uma corrida a uma média de 48 km/h é menos emocionante do que uma a 55 km/h?

Essas posições mostram como os líderes das equipes estão divididos entre manter a competitividade e priorizar a segurança. Enquanto alguns buscam alternativas tecnológicas, outros acreditam que o problema deve ser resolvido com mudanças estruturais e regulatórias.

➥ A visão de Tadej Pogačar: a responsabilidade dos ciclistas

O tricampeão do Tour de France, Tadej Pogačar, apresentou uma visão equilibrada ao abordar as preocupações com segurança no ciclismo profissional. 

Em contraste com as críticas diretas de Vaughters e Madiot, Pogačar reconheceu que o desejo de velocidade é inerente ao esporte, mas defendeu que os próprios ciclistas devem assumir maior responsabilidade em suas ações dentro do pelotão.

"Cabe aos ciclistas serem seguros. Não fazer coisas estúpidas no pelotão. Você precisa respeitar todos os ciclistas. Não importa quem seja."

Em entrevista ao Escape Collective, Pogačar destacou que a evolução tecnológica é inevitável, pois a indústria do ciclismo depende de inovação e marketing. 

Ele questionou a viabilidade de soluções que atrasariam o avanço tecnológico, argumentando que voltar ao passado não é realista:

O marketing não funciona tão bem vendendo bicicletas, camisas e capacetes. Tudo precisa melhorar."

No entanto, o esloveno também alertou para a necessidade de condições seguras no percurso e medidas práticas que diminuam os riscos, como barreiras modernas e protocolos climáticos mais rígidos em competições menores.

➥ O equilíbrio entre avanço tecnológico e segurança

O dilema entre avanço tecnológico e segurança no ciclismo é um dos temas mais complexos do debate atual. Equipamentos modernos, embora projetados para aumentar a performance, podem se tornar mais frágeis e elevar o risco em caso de quedas. 

O ciclista francês Guillaume Martin expressou preocupações sobre essa questão ao Le Parisien, afirmando que as bicicletas modernas parecem menos resistentes:

"Parece que as bicicletas se destroem sempre que você sofre uma queda, o que acaba deixando os tombos ainda mais brutais.

Martin sugeriu a padronização de componentes críticos, como pneus, comparando a proposta às regras da Fórmula 1, onde todos os carros utilizam os mesmos tipos de pneus. 

Segundo ele, limitar a eficiência dos pneus poderia reduzir ligeiramente a velocidade e melhorar a segurança, sem comprometer o espetáculo das competições.

Essa ideia levanta um ponto importante: até que ponto é possível equilibrar inovação tecnológica, performance e segurança? Fabricantes, equipes e órgãos reguladores precisam dialogar para encontrar soluções sustentáveis que mantenham o ciclismo competitivo e seguro.

➥ O protocolo climático: a necessidade de uma aplicação mais ampla

Outro ponto crítico levantado por Pogačar é o protocolo climático. Apesar de ser um avanço positivo, a aplicação das regras ainda é desigual, especialmente em corridas menores. Pogačar destacou que competir em temperaturas extremas pode ser tão ou mais perigoso do que quedas em alta velocidade:

"Chegar ao limite correndo em 45 graus é ainda mais arriscado do que em temperaturas mais amenas, pois quando ocorre uma insolação, a situação se torna extremamente grave.

Exemplos recentes demonstram como o calor extremo afeta os ciclistas. Durante o Tour Down Under e outras competições em climas quentes, os atletas enfrentaram temperaturas acima dos 40°C, aumentando o risco de exaustão térmica e insolação.

A UCI já implementou diretrizes específicas, como neutralizar partes de corridas em caso de condições extremas, mas muitos ciclistas acreditam que as medidas ainda são insuficientes. O uso mais frequente desses protocolos, aliado a decisões rápidas e bem informadas por parte dos organizadores, pode ajudar a proteger os atletas e evitar situações potencialmente fatais.

➥ Segurança e organização: o papel dos organizadores

A responsabilidade pela segurança no ciclismo não recai apenas sobre os ciclistas ou a tecnologia, mas também sobre os organizadores das competições. Para Tadej Pogačar e outros líderes do esporte, o design dos percursos é um fator crítico para minimizar riscos. 

Isso inclui evitar áreas com obstáculos perigosos, como lombadas, descidas acentuadas e estradas estreitas em altas velocidades.

Algumas organizações já começaram a implementar melhorias. Por exemplo, o Tour de France adotou barreiras mais modernas para proteger os ciclistas em sprints e zonas de chegada. No entanto, há espaço para mais avanços:

  • Seleção de estradas seguras: Evitar trajetos urbanos com obstáculos inesperados.
  • Melhor sinalização: Tornar curvas fechadas e descidas perigosas mais visíveis para o pelotão.
  • Revisão de finais de etapa: Priorização de chegadas menos caóticas, principalmente em percursos planos.

"Escolher as estradas certas, é muito importante. Não passar por lombadas a 70 km/h. Chegadas sensatas," declarou Pogačar.

As discussões entre organizadores e equipes precisam ser mais frequentes, com o objetivo de criar um ambiente que mantenha o espetáculo das corridas sem comprometer a segurança.

➥ Medidas práticas para um ciclismo mais seguro

Os recentes debates sobre segurança levaram à proposta de soluções práticas que podem ser aplicadas no curto e médio prazo. Embora a tecnologia tenha tornado o ciclismo mais rápido, medidas simples podem reduzir os riscos enfrentados pelo pelotão:

  1. Limitação de lombadas e obstáculos urbanos
  2. Organizadores podem mapear e redesenhar os percursos para evitar lombadas, rotatórias e obstáculos que aumentam o risco de quedas.
  3. Protocolos de clima extremo mais rígidos
  4. Corridas em calor extremo ou chuva intensa devem ser neutralizadas ou encurtadas. Esse protocolo é amplamente utilizado em eventos como o Giro d’Italia, mas ainda é subaplicado em competições menores.
  5. Uniformização de componentes críticos
  6. A sugestão de Guillaume Martin sobre padronizar pneus pode diminuir ligeiramente a velocidade, promovendo maior controle e segurança.
  7. Melhoria nas barreiras e sinalização
  8. Implementar barreiras modernas e reforçar a sinalização em áreas perigosas pode reduzir a gravidade dos acidentes.
  9. Educação e treinamentos de segurança
  10. Treinar ciclistas desde as categorias de base para desenvolver habilidades que evitem quedas, como manobras seguras em situações de risco.

Essas mudanças dependem do esforço conjunto entre organizadores, equipes e a UCI, que tem o poder de implementar novos regulamentos.

➥ O que CEOs, equipes e ciclistas podem aprender com outros esportes

Uma comparação recorrente no debate sobre segurança no ciclismo é com a Fórmula 1, um esporte que passou por profundas mudanças ao longo das décadas para proteger seus pilotos.

Até os anos 80, as corridas de F1 eram extremamente perigosas, com acidentes fatais ocorrendo quase todos os anos. A solução veio através de regulamentações rígidas e tecnologia voltada à segurança.

Entre as medidas adotadas pela F1, destacam-se:

  • Restrição na tecnologia dos carros para limitar a velocidade máxima.
  • Padronização de pneus e outros componentes críticos para maior controle.
  • Melhoria nas pistas com áreas de escape amplas e seguras.

Marc Madiot, chefe da Groupama-FDJ, defende que o ciclismo pode seguir um caminho semelhante. Segundo ele, restringir as bicicletas não significaria perder o espetáculo das corridas, mas garantiria um ambiente mais seguro para os atletas:

"A Fórmula 1 nunca parou de restringir os carros. Não apenas salvou vidas, mas o espetáculo não perdeu nada.

Essa comparação serve de inspiração para CEOs e líderes de equipes no ciclismo, que têm o poder de pressionar a UCI e os organizadores a implementar mudanças significativas. O desafio é equilibrar o desejo por inovação tecnológica com a necessidade de proteger a vida dos atletas.

➥ O papel da UCI: regras, regulamentos e desafios futuros

Como principal órgão regulador do ciclismo mundial, a União Ciclística Internacional (UCI) está sob constante pressão para encontrar soluções que equilibrem segurança e inovação. 

Embora a UCI já tenha implementado regulamentações, como a restrição de posições aerodinâmicas extremas – por exemplo, a proibição do estilo "super tuck" – os críticos acreditam que ainda há muito a ser feito

Recentemente, a UCI anunciou que pode explorar formas de desacelerar a tecnologia, o que reacendeu o debate. Jonathan Vaughters e Marc Madiot foram vozes críticas ao órgão, pedindo ações mais direcionadas para proteger o pelotão. Entre as sugestões debatidas estão:

  1. Limitação na aerodinâmica das bicicletas para reduzir velocidades máximas.
  2. Testes de resistência mais rigorosos nos equipamentos usados em competições.
  3. Padronização de pneus e componentes críticos, como freios e rodas, para melhorar a segurança.

Além disso, a UCI enfrenta o desafio de equilibrar os interesses de equipes, ciclistas e fabricantes de bicicletas, que impulsionam o mercado com inovações tecnológicas. As decisões precisam ser colaborativas, garantindo que todas as partes tenham voz.

➥ A perspectiva do pelotão: fragilidade versus performance

O ciclista francês Guillaume Martin, que se destaca como uma voz ativa no debate, trouxe um ponto crítico ao relacionar a fragilidade dos equipamentos modernos com o aumento dos riscos. Em entrevista ao Le Parisien, Martin afirmou:

"O equipamento possibilita alcançar velocidades mais altas, mas as bicicletas acabam sofrendo danos em qualquer tombo, o que intensifica a gravidade dos acidentes.”

Essa observação destaca um conflito recorrente no ciclismo moderno: a busca por equipamentos ultraleves e aerodinâmicos, que aumentam a performance, mas podem comprometer a resistência estrutural.

O caso de Jay Vine no Itzulia Basque Country e a queda de Jonas Vingegaard são exemplos de acidentes em que bicicletas modernas, embora tecnológicas, falharam ao absorver o impacto. Enquanto fabricantes defendem que a inovação prioriza o equilíbrio entre peso e segurança, os ciclistas sentem na pele os riscos.

Martin sugeriu uma uniformização de componentes críticos, como pneus, que poderiam reduzir ligeiramente a velocidade e melhorar a estabilidade durante as provas. Esse modelo é inspirado na Fórmula 1, onde todas as equipes utilizam os mesmos tipos de pneus para garantir equidade e segurança.

➥ Conclusão: O futuro do ciclismo é uma questão de equilíbrio e liderança

O debate sobre segurança no ciclismo profissional reflete um dilema central: como equilibrar o avanço tecnológico, a busca por desempenho e a necessidade de proteger os ciclistas? Enquanto líderes como Jonathan Vaughters e Marc Madiot defendem ações imediatas, como restringir a tecnologia das bicicletas, outros, como Tadej Pogačar, acreditam que a responsabilidade recai sobre todos os envolvidos.

A solução ideal exigirá um esforço coletivo entre:

  • Organizadores de corridas: Melhorias nos percursos, sinalização e barreiras.
  • UCI: Regulamentações mais rígidas e protocolos climáticos aplicados de forma consistente.
  • Fabricantes: Foco em equipamentos que equilibrem performance e resistência.
  • Ciclistas: Respeito mútuo no pelotão e ações conscientes durante as provas.

Inspirando-se em esportes como a Fórmula 1, o ciclismo tem a oportunidade de evoluir e se tornar mais seguro sem perder a emoção que o torna tão popular. Com liderança visionária e diálogo aberto, o futuro do ciclismo pode ser mais equilibrado, inovador e seguro para todos.

Como afirmou Pogačar:

"Todo mundo está fazendo o seu melhor. O importante é continuar evoluindo sem comprometer o respeito e a segurança.