Tadej Pogačar pode ser considerado o favorito para Milão-San Remo, mas conquistar a vitória não será tarefa fácil.
Apesar de o bicampeão mundial parecer dominar todas as provas, Milão-San Remo pode representar um desafio que vai além de suas habilidades habituais.
Há uma citação, provavelmente apócrifa, atribuída tanto ao historiador grego Plutarco quanto a Alexandre, o Grande, que muitos conhecem: “Quando Alexandre contemplou a vastidão de seu império, chorou, pois não havia mais mundos a conquistar”.
Essa máxima, porém, ainda não se aplica completamente a Pogačar. O campeão mundial já acumula um impressionante currículo – entre suas conquistas estão Liège-Bastogne-Liège, o Giro d’Italia, o Tour de France, o Campeonato Mundial e, no último ano, a Il Lombardia – mas ainda faltam conquistas para completar seu palmarès.
Em sua coleção, ainda não consta a Vuelta a España, que completaria a tríade das Grandes Voltas, tampouco Paris-Roubaix, o Monumento que menos se adequa às suas características, e, é claro, falta Milão-San Remo. Ele ainda não dominou por completo o seu universo de provas, então não há motivos para lamentações neste momento.
Milão-San Remo é, por si só, uma corrida singular. Normalmente, a prova mais longa do calendário do WorldTour – com a zona neutra frequentemente empurrando sua distância para além dos 300 km – está longe de ser a mais difícil ou a mais seletiva.
Embora o ditado “a prova mais fácil de terminar, mas a mais difícil de vencer” soe como um clichê, ele revela muito sobre as peculiaridades da corrida. Nos últimos três anos, os primeiros setenta ou mais ciclistas cruzaram a linha com uma diferença de apenas dois minutos; edições recentes terminaram em um sprint de um grupo bastante reduzido ou, em outros casos, com um ataque solitário cronometrado com precisão.
No ano passado, após a edição mais rápida da história, Pogačar declarou: “Acho que hoje foi uma das corridas mais fáceis de todas”. Contudo, é bastante revelador que, desde Óscar Freire em 2010, nenhum ciclista conseguiu repetir a vitória em Milão-San Remo, e apenas 14 competidores, em 115 edições, saíram vitoriosos mais de uma vez.
O esloveno já disputou San Remo em quatro ocasiões. Em 2020, seu ano de revelação, terminou em 12º lugar, a apenas dois segundos dos líderes Julian Alaphilippe e Wout van Aert; em 2022, ficou em quinto, perdendo para o vencedor solitário Matej Mohorič, que soube aproveitar seu sprint final com maior potência.
Em 2023, melhorou sua posição em uma casa, mas não conseguiu reagir quando Mathieu van der Poel acelerou na descida do Poggio; e, no ano passado, mesmo em seu annus mirabilis, alcançou o pódio, mas não teve força para superar Michael Matthews e o vencedor, Jasper Philipsen.
Até o momento, Pogačar tem chegado muito perto, mas o principal problema para o ciclista da UAE Team Emirates-XRG é que a prova, por si só, não é suficientemente seletiva. Os chamados “três Capi” surgem a cerca de 50 km do final – Capo Mele, Capo Cervo e Capo Berta, enfrentados antes da Cipressa, que aparece com aproximadamente 30 km restantes (um trecho de 5,6 km com inclinação média de 4,1%), seguido pelo Poggio, que se impõe com pouco mais de 10 km (3,7 km a 3,7% de inclinação).
Essa configuração torna improvável a repetição da jogada que o levou a vencer as Strade Bianche nas últimas temporadas – atacar a partir de um pelotão já reduzido, mesmo que em distância considerável. Há muitos interesses em jogo, equipes extremamente equilibradas e um percurso que não exige o uso de sua potência habitual.
Sem contar que o jovem de 26 anos é o ciclista mais vigiado do pelotão, com cada movimento sendo acompanhado de perto – poderia muito bem estar usando colete refletivo. A situação ideal para Pogačar seria reagir a um ataque alheio, mas isso depende de uma combinação de sorte e de estar no lugar certo no momento exato.
As atuações de Mads Pedersen no Paris-Nice e de Filippo Ganna no Tirreno-Adriático também chamam a atenção e podem representar uma preocupação tanto para o esloveno quanto para sua equipe.
Ambos conseguiram acompanhar os escaladores puros durante grande parte dessas provas – Pedersen terminou em 10º na etapa rainha da França, enquanto Ganna conquistou o segundo lugar no geral da corrida italiana. Cada um deles demonstra um final de prova mais potente que o de Pogačar, o que os torna candidatos fortes para estarem na briga em San Remo.
A estratégia para a UAE Team Emirates-XRG será tornar a corrida o mais extenuante possível, desde os primeiros quilômetros, a fim de desgastar o pelotão e abrir uma oportunidade para Pogačar.
Será que os sete homens – Vegard Stake Laengen, Brandon McNulty, Jhonatan Narváez, Domen Novak, Nils Politt e Tim Wellens – conseguirão atingir esse objetivo? Talvez seus esforços não sejam suficientes. No ano passado, mesmo com a tentativa de desgastar os adversários, Philipsen ainda conseguiu cruzar a linha de chegada.
Um elemento que pode favorecer Pogačar, dando-lhe a sorte que necessita, é o clima na Ligúria no sábado. As previsões apontam condições bastante úmidas, e qualquer fator que torne o dia mais difícil pode colaborar para que ele se destaque – embora talvez não seja a ocasião ideal para ostentar os tradicionais shorts brancos.
Não há dúvidas de que Pogačar tem o potencial para vencer San Remo, mas se as circunstâncias se alinharão a seu favor é uma questão crucial. Pode ser que ainda sejam necessárias algumas temporadas para que ele consiga conquistar todos os “mundos” que almeja, e, de certa forma, essa busca contínua é o que torna o ciclismo tão fascinante.