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Etapa Rainha do Tour de France 2026 em Risco: Petição Contra Col de Sarenne Ganha Força

Uma petição com mais de 6.000 assinaturas ameaça a etapa rainha do Tour de France 2026. Ambientalistas exigem remoção do Col de Sarenne do percurso para proteger fauna e flora vulneráveis dos Alpes. Entenda a polêmica que pode mudar a história da corrida.

Etapa Rainha do Tour de France 2026 em Risco

Uma polêmica ambiental ameaça transformar radicalmente o Tour de France 2026. A etapa rainha da corrida, que promete ser um dos momentos mais épicos da edição com a dupla escalada ao lendário Alpe d’Huez, enfrenta forte resistência de ambientalistas locais. O ponto central da controvérsia é o Col de Sarenne, uma subida selvagem e praticamente intocada que deve ser a última escalada antes da chegada na estação de esqui francesa.

Uma petição online organizada pelo ativista e ciclista Matthieu Stelvio já ultrapassou 6.000 assinaturas, exigindo que os organizadores da ASO (Amaury Sport Organisation) removam o Col de Sarenne do percurso. As preocupações vão muito além do simples impacto turístico: estão em jogo espécies raras de fauna e flora, habitats frágeis de aves e mamíferos, e o equilíbrio de um ecossistema alpino que permaneceu protegido por décadas.

O Plano Ambicioso da ASO: Duplo Ataque ao Alpe d’Huez

Os organizadores do Tour de France revelaram em outubro de 2024 um dos percursos mais desafiadores dos últimos anos para a edição de 2026. O grande destaque é a etapa 20, que acontecerá em 25 de julho de 2026, começando em Le Bourg-d’Oisans e terminando pela segunda vez consecutiva no Alpe d’Huez.

Alpe d'Huez
Alpe d’Huez

Mas há um diferencial crucial: desta vez, os ciclistas não subirão pelas famosas 21 curvas em ziguezague tradicionais. Em vez disso, a ascensão final será feita pelo Col de Sarenne, uma rota pastoral e pouco conhecida que se conecta à parte superior do Alpe d’Huez nos últimos quilômetros.

Esta será a primeira ascensão histórica do Tour pelo Col de Sarenne. Embora o percurso tenha sido usado em 2013 como descida entre duas subidas ao Alpe d’Huez, nunca foi escalado durante a competição. Os números impressionam: 12,9 quilômetros de extensão com 887 metros de ganho de elevação e inclinação média de 7,5%, com rampas que ultrapassam 10,5% nos trechos finais.

Col de Sarenne: Uma Joia Escondida dos Alpes Franceses

Col de Sarenne
Col de Sarenne

Situado no maciço das Grandes Rousses, o Col de Sarenne atinge 1.999 metros de altitude — apenas um metro abaixo da marca simbólica dos 2.000. Oficialmente, é uma estrada pastoral destinada principalmente aos pastores locais, com limite de velocidade de apenas 20 km/h e fechada por 8 meses ao ano durante o inverno rigoroso.

A estrada serpenteia através do vale de Ferrand, uma região de rara beleza natural onde o ar permanece puro e a presença humana é mínima. O famoso trilho GR54, uma das rotas de caminhada mais célebre dos Alpes, acompanha parcialmente a estrada, e toda a área está dentro da zona de adesão do Parque Nacional dos Écrins.

Do ponto de vista ciclistico, o Col de Sarenne apresenta características únicas e desafiadoras. O perfil de elevação é extremamente irregular: após uma subida inicial moderada de 1,25 km a 5,5%, seguem-se descidas e falsos planos que enganam o ciclista. O verdadeiro teste vem nos últimos 1,6 quilômetros, com inclinação média brutal de 10,5% e trechos ainda mais severos.

A Petição Ambiental e Seus Fundamentos Científicos

A campanha “Não à passagem do Tour de France 2026 pelo Col de Sarenne” (Non au passage du Tour de France 2026 au col de Sarenne) está publicada na plataforma Change.org e articula preocupações ambientais detalhadas e fundamentadas.

Matthieu Stelvio, o organizador da petição e escritor ambiental, já travou esta batalha anteriormente. Em 2013, quando o Tour desceu o Col de Sarenne, ele lançou uma petição similar que conquistou mais de 12.000 assinaturas e resultou em uma carta aberta à ASO. No entanto, os organizadores nunca responderam, ignorando completamente as preocupações levantadas.

Agora, em 2024, Stelvio retorna com argumentos ainda mais robustos:

Impacto na Fauna Sensível

O vale de Ferrand abriga uma biodiversidade excepcional para os Alpes. Entre as espécies residentes estão:

  • Marmotas alpinas: Populações estabelecidas que seriam severamente perturbadas pelo ruído e presença humana massiva
  • Raposas e armínios: Predadores de topo essenciais para o equilíbrio do ecossistema
  • Águias-cobreira (circaetos): Rapinas raras que se alimentam principalmente de serpentes
  • Abutres-barbados (gypaètes): Aves emblemáticas dos Alpes, extremamente sensíveis a perturbações
  • Tetraz-lira (tétras lyre): Galiformes vulneráveis que nidificam no solo e cujos filhotes nascem precisamente em julho
  • Perdiz-das-rochas e perdiz-branca (lagópodes): Espécies cujo declínio populacional está cientificamente ligado à perturbação humana excessiva

A questão temporal é crítica. Julho, mês do Tour de France, coincide com o período de eclosão de várias espécies de aves protegidas. Os helicópteros de televisão sobrevoando o vale e as multidões concentradas poderiam causar falhas reprodutivas devastadoras.

Como alerta Stelvio em sua petição: “Em termos de localização e timing, é difícil encontrar pior lugar para convocar multidões.”

Flora Rara e Frágil Sob Ameaça

A vegetação alpina do Col de Sarenne desenvolveu-se ao longo de milênios em condições específicas de altitude, clima e isolamento humano. A petição destaca que a flora rara e frágil da região seria “pisoteada pelas multidões, talvez até esmagada por centenas de veículos e centenas de tendas”.

O ecossistema alpino é notoriamente lento para se recuperar de perturbações. Uma única temporada de impacto intenso pode resultar em danos que levam décadas para serem revertidos, especialmente em altitudes superiores a 1.800 metros onde as condições de crescimento são extremamente limitadas.

Infraestrutura e Obras Permanentes

A experiência de 2013 serve como precedente preocupante. Para acomodar a descida do Tour, foram realizadas obras de infraestrutura que modificaram permanentemente o caráter da estrada. Passagens a vau (travessias de córregos) foram transformadas em pequenas pontes, facilitando o acesso de veículos motorizados.

A consequência imprevista foi devastadora: turistas que anteriormente caminhavam até o col passaram a dirigir, aumentando dramaticamente o tráfego motorizado e perturbando continuamente a fauna selvagem. O que deveria ser uma modificação temporária tornou-se uma alteração permanente que degradou o ambiente.

Para 2026, Stelvio teme que obras ainda mais extensivas sejam necessárias para transformar uma estrada pastoral de 20 km/h em uma via capaz de suportar o circo mediático do Tour de France. A petição questiona: “Obras poderiam ser realizadas, apenas para um dia de corrida. E isso, não a pedido da população local, mas a pedido dos organizadores do Tour de France!”

A Dimensão Espetacular: “O Maior Estádio do Mundo”

O Col de Sarenne não será apenas mais uma subida no percurso. Posicionado como a última ascensão da etapa rainha, momentos antes da chegada final, ele se tornará potencialmente o local de maior concentração de espectadores de toda a corrida.

A petição de Stelvio cita que os organizadores pretendem transformar o Col de Sarenne no “maior estádio do mundo”. As projeções indicam que centenas de milhares de espectadores — potencialmente equivalente a 10 estádios Stade de France completos — poderiam se concentrar ao longo dos 12,9 quilômetros da subida.

Para contextualizar, o tradicional Alpe d’Huez já atrai regularmente entre 400.000 e 500.000 espectadores quando o Tour passa por suas 21 curvas. O Col de Sarenne, com sua estreita estrada pastoral, simplesmente não foi projetado para suportar multidões dessa magnitude.

O Duplo Impacto: L’Étape du Tour Amplifica Pressões

A situação é ainda mais complexa porque o Tour de France profissional não será o único evento a escalar o Col de Sarenne. A L’Étape du Tour de France 2026, que permite ciclistas amadores pedalarem uma etapa real do Tour, acontecerá apenas seis dias antes, em 19 de julho.

Aproximadamente 16.000 ciclistas amadores traçarão exatamente o mesmo percurso da etapa 20, incluindo o Col de la Croix de Fer, Col du Télégraphe, Col du Galibier e, finalmente, o Col de Sarenne. Será uma das edições mais difíceis da história da L’Étape, com impressionantes 5.400 metros de ganho de elevação ao longo de 170 quilômetros.

Como observa Stelvio: “Como em 2013, o afluxo de ciclistas ao Sarenne provavelmente durará várias semanas, amplificando ainda mais a perturbação de uma fauna preciosa e vulnerável.”

A pressão cumulativa — milhares de amadores uma semana, centenas de milhares de espectadores na semana seguinte, mais helicópteros, veículos de apoio, transmissões televisivas e infraestrutura associada — representa um impacto sem precedentes em um ambiente que permaneceu relativamente intocado por décadas.

Precedentes e Medidas de Proteção em Outras Corridas

A preocupação dos ambientalistas não é infundada. O ciclismo profissional tem histórico de implementar restrições severas quando passa por áreas ecologicamente sensíveis.

Na Vuelta a España 2025, por exemplo, a organização proibiu completamente a presença de espectadores no trecho mais alto da subida à Bola del Mundo (etapa 20), limitando também os veículos apenas a motocicletas para minimizar o impacto ambiental. A medida foi tomada para proteger ecossistemas frágeis de alta montanha.

O Giro d’Italia frequentemente estabelece zonas de proteção em subidas que atravessam parques nacionais ou reservas naturais, controlando o acesso de espectadores e veículos.

A questão central é: a ASO implementará medidas similares para o Col de Sarenne? Até o momento, não há indicações públicas de que tais proteções estejam sendo consideradas. A organização foi contactada pela Cycling Weekly e outras publicações para comentários, mas ainda não se pronunciou oficialmente sobre a petição.

A Crítica ao Modelo “Espetáculo-Negócio”

A petição de Stelvio não ataca apenas o impacto ambiental específico; ela questiona o modelo fundamental pelo qual o Tour de France opera. O texto é incisivo em sua crítica:

“A natureza é mais importante que este espetáculo-negócio (que frequentemente se revelou uma impostura). E os organizadores do Tour de France não se importam com a natureza.”

A acusação é severa mas reflete frustração crescente. Stelvio aponta a hipocrisia percebida da ASO e do Groupe Amaury, citando que a empresa organiza eventos ambientalmente questionáveis como o Rally Dakar através de desertos sensíveis, e que a TotalEnergies — uma das maiores empresas petrolíferas do mundo — é patrocinadora oficial do Tour de France 2026.

A petição pergunta retoricamente: “Como podemos acreditar que uma empresa que gerencia eventos como o Rally Dakar e outros rallies, além do Tour de France, se importa com a vida selvagem?”

Há também suspeitas de interesses imobiliários. Stelvio sugere que financistas desejam expandir a área de esqui de Alpe d’Huez e têm interesse no vale do Sarenne, o que poderia explicar o impulso para tornar a região mais acessível e conhecida através do Tour.

O Contexto Histórico: 2013 Como Advertência

A única vez que o Tour de France incluiu o Col de Sarenne foi em 2013, mas como descida em vez de subida. A etapa 18 apresentou duas ascensões ao Alpe d’Huez, com os ciclistas subindo pelas 21 curvas tradicionais, descendo pelo Col de Sarenne até o vale, e então subindo novamente para a chegada final.

Aquela edição gerou controvérsia significativa. A descida do Col de Sarenne foi considerada por muitos pilotos como perigosamente técnica, com estrada estreita, sem barreiras de proteção em vários trechos, pavimento irregular e curvas cegas. Alguns segmentos tinham inclinações superiores a 12% em descida, exigindo habilidade técnica excepcional.

O americano Tejay van Garderen (BMC Racing) foi o primeiro a cruzar o topo do Col de Sarenne naquela edição, conquistando pontos para a classificação de montanha. Mas a etapa foi lembrada mais pelos riscos da descida que pela escalada propriamente dita.

Foi também em 2013 que Matthieu Stelvio lançou sua primeira petição, que reuniu mais de 12.000 assinaturas. Ele escreveu uma carta aberta detalhada à ASO explicando os impactos ambientais e solicitando alternativas. A resposta da organização? Silêncio total.

A experiência de 2013 deixou Stelvio cético sobre as intenções da ASO. Em 2026, o impacto será potencialmente maior, pois a subida completa atrairá ainda mais espectadores concentrados ao longo de toda a extensão do col.

Alternativas Propostas: Villard-Reculas Como Solução

Os ambientalistas não estão simplesmente dizendo “não” sem oferecer alternativas. A petição sugere especificamente que a ASO poderia usar Villard-Reculas como rota alternativa para alcançar o Alpe d’Huez, evitando completamente o Col de Sarenne.

Villard-Reculas é uma pequena estação de esqui conectada ao Alpe d’Huez por estradas asfaltadas. A rota ofereceria:

  • Infraestrutura já estabelecida para suportar tráfego pesado
  • Menor impacto em áreas protegidas
  • Desafio técnico similar para os ciclistas
  • Espetáculo televisivo comparável

A mesma alternativa foi proposta em 2013 e ignorada. Agora, em 2024-2025, os organizadores têm nova oportunidade de demonstrar compromisso genuíno com responsabilidade ambiental escolhendo um percurso menos destrutivo.

O Que Dizem os Ciclistas Profissionais?

Embora a maioria dos ciclistas profissionais ainda não tenha se pronunciado publicamente sobre a controvérsia ambiental, há interesse considerável no desafio técnico que o Col de Sarenne representa.

Do ponto de vista esportivo, a subida é tácticamente fascinante. Seu perfil irregular — com descidas e falsos planos intercalados — dificulta o controle do ritmo e pode criar diferenças significativas entre os favoritos. Os últimos 1,6 quilômetros a 10,5% serão um teste definitivo de força pura após já ter escalado o Col de la Croix de Fer, Col du Télégraphe e Col du Galibier mais cedo na etapa.

A altitude de quase 2.000 metros adiciona o fator da rarefação do ar, especialmente brutal depois de 170 quilômetros e mais de 5.000 metros de ganho de elevação acumulado. Será um teste épico de resistência, escalada e gestão energética.

Ciclistas como Tadej Pogačar, Jonas Vingegaard e Remco Evenepoel — potenciais candidatos ao pódio — certamente estudarão cada metro do percurso com antecedência. A questão é se chegarão a competir lá.

Reações e Cobertura Midiática

A petição ganhou cobertura internacional significativa. Veículos especializados como road.cc, Cyclingnews, Cyclism’Actu e outros publicaram matérias detalhadas sobre a controvérsia.

A mídia francesa deu atenção particular, com a France Inter dedicando segmento de rádio de dois minutos ao tema no programa “Debout la Terre!”. O jornal esportivo L’Équipe também cobriu a história, embora com cautela compreensível dado que o Groupe Amaury, proprietário do jornal, também controla a ASO.

Nas redes sociais, o debate se intensificou. Entusiastas do ciclismo estão divididos: alguns apoiam a petição, reconhecendo a importância da preservação ambiental; outros argumentam que o Tour já passa por inúmeras áreas protegidas sem causar dano permanente.

O Dilema Fundamental: Esporte vs. Natureza

A controvérsia do Col de Sarenne expõe uma tensão fundamental no ciclismo profissional moderno. Por um lado, o esporte se comercializa como “verde” — afinal, ciclistas pedalam através de paisagens naturais deslumbrantes, promovendo uma forma de transporte ecológica.

Por outro lado, o circo mediático massivo que acompanha grandes corridas como o Tour de France tem pegada ambiental considerável: helicópteros queimando combustível, centenas de veículos motorizados seguindo a corrida, lixo deixado por espectadores, infraestrutura temporária e permanente, e perturbação de ecossistemas sensíveis.

A questão não é se o Tour de France deve existir, mas onde estabelecer limites. Existem locais tão frágeis, tão únicos, que deveriam permanecer off-limits mesmo para eventos esportivos prestigiados?

O Col de Sarenne representa exatamente esse tipo de lugar: uma joia natural escondida, relativamente intocada, abrigando espécies vulneráveis, e funcionalmente inadequada para o espetáculo de massas que o Tour inevitavelmente cria.

O Que Acontece Agora? Cenários Possíveis

Com a petição aproximando-se de 6.000 assinaturas e crescente atenção midiática, a ASO enfrenta várias opções:

Cenário 1: Manter o Percurso Sem Modificações

A ASO poderia simplesmente ignorar a petição, como fez em 2013, e prosseguir com o plano original. Este é o cenário mais provável dada a história da organização. O Tour passaria pelo Col de Sarenne conforme planejado, gerando imagens espetaculares para transmissão global mas potencialmente causando danos ambientais significativos.

Cenário 2: Implementar Medidas de Proteção Rigorosas

A organização poderia manter o Col de Sarenne no percurso mas implementar restrições severas similares às usadas em outras corridas:

  • Proibição total de espectadores em certos trechos da subida
  • Limitação de veículos de apoio e mídia
  • Restrições de sobrevoo para helicópteros
  • Monitoramento ambiental antes e depois
  • Compromisso de não realizar obras permanentes na estrada

Este cenário seria um meio-termo, permitindo o espetáculo esportivo enquanto tenta minimizar danos ecológicos.

Cenário 3: Modificar o Percurso

A opção mais favorável aos ambientalistas seria a ASO redesenhar a etapa 20, substituindo o Col de Sarenne por uma alternativa como Villard-Reculas. Embora improvável, não é impossível — o Tour já modificou percursos em resposta a preocupações de segurança ou logística no passado.

Tal mudança seria uma vitória significativa para ativistas ambientais e estabeleceria precedente importante sobre os limites do que o esporte profissional pode exigir de ecossistemas frágeis.

Cenário 4: Diálogo e Compromisso

Idealmente, a ASO iniciaria conversas substantivas com Matthieu Stelvio, ambientalistas locais, autoridades do Parque Nacional dos Écrins e especialistas ecológicos. Através de diálogo genuíno, poderiam desenvolver soluções criativas que equilibrem o espetáculo esportivo com proteção ambiental rigorosa.

Este cenário exigiria que a ASO reconhecesse que nem todos os lugares são apropriados para o circo do Tour, não importa quão espetaculares sejam as imagens resultantes.

Por Que Isso Importa Para o Futuro do Ciclismo

A controvérsia do Col de Sarenne transcende uma simples disputa local sobre uma etapa de corrida. Ela representa uma questão definidora para o futuro do ciclismo profissional:

O esporte está disposto a autolimitar-se em nome da preservação ambiental?

Em uma era de crise climática e perda acelerada de biodiversidade, eventos esportivos enfrentam escrutínio crescente sobre seu impacto ambiental. O ciclismo, que se beneficia de imagem “verde”, tem responsabilidade particular de liderar pelo exemplo.

Se a ASO ignorar completamente as preocupações científicas legítimas sobre o Col de Sarenne, isso enviaria mensagem clara: espetáculo e lucro superam conservação, não importa quão vulnerável seja o ecossistema.

Por outro lado, se a organização demonstrar flexibilidade e compromisso genuíno com proteção ambiental — seja através de restrições rigorosas ou modificação do percurso — isso poderia estabelecer novo padrão para como grandes eventos esportivos interagem com áreas naturais sensíveis.

Vozes Locais: O Que Pensam os Residentes?

Embora a petição tenha ganhado atenção internacional, as vozes que mais importam são frequentemente as menos ouvidas: os residentes locais que vivem ao redor do Col de Sarenne.

A região é escassamente povoada, com pequenas comunidades pastorais que dependem do ambiente natural para seus modos de vida tradicionais. Para esses residentes, o Col de Sarenne não é uma curiosidade turística ou desafio esportivo — é lar e sustento.

Alguns moradores locais expressaram preocupações similares às de Stelvio, temendo que o evento transforme permanentemente o caráter da região, atraindo tráfego turístico aumentado nos anos subsequentes e acelerando pressões de desenvolvimento.

Outros veem oportunidade econômica, esperando que a exposição global traga visitantes e receita para comunidades que historicamente lutam economicamente. Este é o clássico dilema do turismo: desenvolvimento versus preservação.

A Dimensão Científica: O Que Dizem os Especialistas?

Embora a petição seja liderada por um ativista individual, as preocupações levantadas têm fundamento científico sólido. Estudos sobre impactos de eventos de massa em ecossistemas alpinos documentam consistentemente efeitos negativos:

  • Perturbação de fauna: Pesquisas demonstram que aves nidificantes são extremamente sensíveis a helicópteros e ruído humano durante períodos críticos de reprodução
  • Compactação de solo: Tráfego pedestre intenso em ambientes alpinos causa compactação que prejudica crescimento de vegetação por anos
  • Lixo e poluição: Grandes eventos invariavelmente deixam resíduos, mesmo com esforços de limpeza
  • Fragmentação de habitat: Infraestrutura temporária pode interromper corredores de vida selvagem

O Parque Nacional dos Écrins, em cuja zona de adesão o Col de Sarenne está localizado, tem como missão proteger biodiversidade alpina. Seria interessante saber a posição oficial do parque sobre o plano do Tour, mas até o momento não há pronunciamento público disponível.

Lições de Outros Esportes e Eventos

O ciclismo não é o único esporte enfrentando essas questões. Vários eventos modificaram ou cancelaram planos em resposta a preocupações ambientais:

  • Os Jogos Olímpicos de Inverno frequentemente enfrentam protestos sobre impactos em áreas montanhosas
  • O Rally Dakar foi forçado a se mover da África para América do Sul parcialmente devido a preocupações ambientais e de segurança
  • Maratonas de montanha implementaram limites de participantes para proteger trilhas sensíveis
  • Competições de esqui foram canceladas ou movidas devido a falta de neve relacionada a mudanças climáticas

Esses precedentes demonstram que é possível — e às vezes necessário — priorizar conservação sobre conveniência esportiva ou comercial.

O Silêncio da ASO: Estratégia ou Indiferença?

Até o momento, a Amaury Sport Organisation permanece em silêncio sobre a petição. Veículos de mídia, incluindo Cycling Weekly, entraram em contato para comentários oficiais mas não receberam respostas substantivas.

Este silêncio pode ser interpretado de várias maneiras:

  • Estratégia de comunicação: Aguardar que a controvérsia diminua naturalmente sem legitimá-la com resposta
  • Avaliação interna: Possivelmente considerando opções antes de se comprometer publicamente
  • Indiferença: Simplesmente não veem a petição como suficientemente significativa para merecer resposta
  • Confiança no poder: Conscientes de que, historicamente, conseguem impor seus planos independentemente de oposição local

Qualquer que seja a razão, o silêncio é frustrante para os peticionários e perpetua a sensação de que suas preocupações não são levadas a sério.

Como Você Pode Se Envolver

Para aqueles que se importam com esta questão, várias ações são possíveis:

  1. Assinar a petição: Disponível em Change.org
  2. Compartilhar nas redes sociais: Aumentar visibilidade amplifica pressão sobre organizadores
  3. Contatar a ASO diretamente: Expressar preocupações através de canais oficiais
  4. Apoiar organizações ambientais locais: Grupos trabalhando para proteger os Alpes franceses
  5. Educação: Aprender mais sobre ecossistemas alpinos e por que são vulneráveis

Para entusiastas do ciclismo que adoram o Tour de France, apoiar esta petição não significa ser anti-ciclismo. Significa acreditar que o esporte pode e deve ser praticado de maneira que respeite e preserve os ambientes naturais magníficos através dos quais pedala.

Uma Encruzilhada Para o Tour de France

O Tour de France 2026 promete ser uma das edições mais espetaculares da história recente, com o duplo ataque ao Alpe d’Huez servindo como clímax dramático. Mas a controvérsia do Col de Sarenne coloca uma nuvem sobre esse espetáculo.

Com mais de 6.000 assinaturas e crescente atenção midiática internacional, a petição de Matthieu Stelvio representa mais que simples ativismo local — ela simboliza uma tensão fundamental entre o desejo humano por espetáculo e entretenimento, e a necessidade urgente de proteger os poucos lugares verdadeiramente selvagens que restam.

O Col de Sarenne, com seus 1.999 metros de altitude, sua estrada pastoral tranquila, e seus habitantes selvagens vulneráveis, merece ser mais que uma nota de rodapé em um roteiro de corrida. Merece consideração cuidadosa, diálogo respeitoso e, possivelmente, proteção de um destino que não foi projetado para suportar.

A decisão da ASO — seja mantendo o percurso, modificando-o, ou implementando proteções rigorosas — estabelecerá precedente importante não apenas para o Tour de France, mas para como grandes eventos esportivos interagem com ambientes naturais em todo o mundo.

Os próximos meses revelarão se os organizadores do Tour de France estão dispostos a ouvir, adaptar e demonstrar liderança ambiental genuína. Ou se, como em 2013, escolherão o silêncio e procederão independentemente das consequências ecológicas.

O Col de Sarenne aguarda. E com ele, milhares de pessoas preocupadas com o futuro de um dos últimos refúgios selvagens dos Alpes franceses.


Perguntas Frequentes Sobre a Controvérsia do Col de Sarenne

1. O que é o Col de Sarenne e por que é controverso para o Tour de France 2026?

O Col de Sarenne é uma passagem de montanha nos Alpes franceses que atinge 1.999 metros de altitude, localizada no maciço das Grandes Rousses. É uma estrada pastoral destinada principalmente a pastores, fechada 8 meses ao ano e com limite de velocidade de 20 km/h. A controvérsia surge porque o Tour de France 2026 planeja usá-la como última subida da etapa rainha antes do Alpe d’Huez, potencialmente atraindo centenas de milhares de espectadores para um ecossistema frágil que abriga fauna e flora vulneráveis. Uma petição com mais de 6.000 assinaturas exige que a ASO remova o col do percurso devido a preocupações ambientais sérias.

2. Quantas assinaturas a petição contra o Col de Sarenne já conquistou?

A petição “Não à passagem do Tour de France 2026 pelo Col de Sarenne” (Non au passage du Tour de France 2026 au col de Sarenne) ultrapassou 6.000 assinaturas em novembro de 2024. Este número é aproximadamente metade das 12.000 assinaturas que uma petição similar conquistou em 2013, quando o Tour desceu (mas não subiu) o Col de Sarenne. O organizador, Matthieu Stelvio, espera que o número continue crescendo à medida que a data da corrida se aproxima e mais pessoas tomam conhecimento da questão ambiental.

3. Quais espécies de animais estão ameaçadas pela passagem do Tour no Col de Sarenne?

O vale de Ferrand, que o Col de Sarenne atravessa, abriga uma biodiversidade alpina excepcional. As espécies mais vulneráveis incluem: tetraz-lira (tétras lyre), galiformes raros que nidificam no solo e cujos filhotes nascem em julho; abutres-barbados (gypaètes), extremamente sensíveis a perturbações aéreas; perdiz-das-rochas e perdiz-branca (lagópodes), cujo declínio está ligado à perturbação humana; águias-cobreira (circaetos); além de marmotas alpinas, raposas, armínios e camurças. A preocupação maior é que julho, mês do Tour, coincide exatamente com o período crítico de eclosão de ovos e cuidado com filhotes para várias dessas espécies.

4. O Tour de France já passou pelo Col de Sarenne antes?

Sim, mas apenas uma vez e como descida, não subida. Em 2013, durante a etapa 18, o Tour incluiu o Col de Sarenne como descida entre duas ascensões ao Alpe d’Huez. Os ciclistas subiram as 21 curvas tradicionais, desceram pelo Sarenne até o vale, e então subiram novamente para a chegada final. Aquela descida foi considerada tecnicamente perigosa por muitos pilotos devido à estrada estreita, sem barreiras de proteção, com pavimento irregular e inclinações superiores a 12%. O americano Tejay van Garderen foi o primeiro a cruzar o topo. Em 2026, seria a primeira vez que o Tour escala o Col de Sarenne completamente.

5. Quem é Matthieu Stelvio e por que ele lidera esta campanha?

Matthieu Stelvio é um ativista ambiental e escritor francês com profundo conhecimento dos Alpes. Ele próprio é ciclista e conhece intimamente o Col de Sarenne. Stelvio não é anti-ciclismo; sua motivação vem de preocupação genuína com a preservação de um dos últimos refúgios selvagens dos Alpes franceses. Ele já havia lançado uma petição similar em 2013 que conquistou mais de 12.000 assinaturas e escreveu uma carta aberta detalhada à ASO, mas nunca recebeu resposta. Essa experiência de ser ignorado pelos organizadores alimenta sua determinação em 2024-2025 para novamente alertar sobre os riscos ambientais da passagem do Tour pela região.

6. Qual é a posição oficial da ASO sobre a petição?

Até o momento, a Amaury Sport Organisation (ASO) não emitiu nenhuma declaração oficial pública sobre a petição ou as preocupações ambientais levantadas. Veículos de mídia especializados, incluindo Cycling Weekly, Cyclingnews e outros, entraram em contato solicitando comentários mas não receberam respostas substantivas. Este silêncio reflete o padrão de 2013, quando a organização também ignorou completamente uma petição com 12.000 assinaturas. A falta de comunicação frustra ambientalistas e reforça a percepção de que a ASO prioriza o espetáculo esportivo e considerações comerciais sobre impactos ecológicos.

7. Quão difícil é o Col de Sarenne do ponto de vista ciclístico?

O Col de Sarenne apresenta um desafio técnico considerável para ciclistas. Desde o Lac du Chambon (lado leste), a subida tem 12,9 quilômetros de extensão com 887 metros de ganho de elevação e inclinação média de 7,5%. O perfil é extremamente irregular, com descidas e falsos planos intercalados que dificultam o estabelecimento de ritmo constante. O trecho mais brutal são os últimos 1,6 quilômetros com inclinação média de 10,5%, chegando a trechos ainda mais severos. A altitude de quase 2.000 metros adiciona o fator de rarefação do ar. Quando posicionada após já ter escalado Croix de Fer, Télégraphe e Galibier na mesma etapa, torna-se um teste épico de resistência.

8. A L’Étape du Tour também passará pelo Col de Sarenne?

Sim. A L’Étape du Tour de France 2026, evento que permite ciclistas amadores pedalarem uma etapa real do Tour, acontecerá em 19 de julho — apenas seis dias antes da passagem dos profissionais. Aproximadamente 16.000 ciclistas amadores traçarão exatamente o mesmo percurso de 170 quilômetros com 5.400 metros de ganho de elevação, incluindo o Col de Sarenne. Esta será uma das edições mais difíceis da história da L’Étape. A preocupação dos ambientalistas é que o impacto será duplicado: milhares de amadores uma semana, seguidos por centenas de milhares de espectadores profissionais na semana seguinte, criando pressão cumulativa sem precedentes no frágil ecossistema.

9. Existem alternativas ao Col de Sarenne para o percurso do Tour?

Sim. A petição sugere especificamente Villard-Reculas como alternativa viável. Villard-Reculas é uma pequena estação de esqui conectada ao Alpe d’Huez por estradas asfaltadas com infraestrutura já estabelecida para suportar tráfego pesado. A rota ofereceria desafio técnico similar para os ciclistas e espetáculo televisivo comparável, mas com muito menor impacto em áreas naturais protegidas. Esta mesma alternativa foi proposta em 2013 e ignorada pela ASO. Os organizadores também poderiam simplesmente usar a subida tradicional do Alpe d’Huez pelas 21 curvas icônicas, evitando completamente a necessidade de passar pelo Col de Sarenne.

10. Como a passagem do Tour em 2013 afetou permanentemente o Col de Sarenne?

A experiência de 2013 serve como precedente preocupante. Para acomodar a descida do Tour, foram realizadas obras de infraestrutura que modificaram permanentemente a estrada. Especificamente, passagens a vau (travessias naturais de córregos) foram transformadas em pequenas pontes de concreto. A consequência imprevista foi que turistas que anteriormente apenas caminhavam até o col passaram a dirigir carros, aumentando dramaticamente o tráfego motorizado e perturbando continuamente a fauna selvagem. O que deveria ser uma modificação temporária tornou-se alteração permanente que degradou o caráter selvagem da região. Ambientalistas temem que obras ainda mais extensivas sejam necessárias em 2026 para transformar a estrada pastoral em via capaz de suportar o circo do Tour.

11. Outros eventos de ciclismo já foram cancelados ou modificados por razões ambientais?

Sim, existem precedentes no ciclismo profissional de medidas de proteção ambiental. Na Vuelta a España 2025, a organização proibiu completamente espectadores no trecho mais alto da subida à Bola del Mundo (etapa 20) e limitou veículos apenas a motocicletas para minimizar impacto ambiental. O Giro d’Italia frequentemente estabelece zonas de proteção em subidas que atravessam parques nacionais. Em 2025, o próprio Tour de France encurtou uma etapa entre Albertville e La Plagne após descoberta de dermatose nodular contagiosa afetando bovinos, demonstrando que modificações de percurso são possíveis quando há preocupações legítimas. Estes precedentes mostram que é viável priorizar conservação sobre conveniência esportiva.

12. Qual é o contexto mais amplo da crítica à ASO?

A petição não ataca apenas o impacto específico do Col de Sarenne; ela questiona o modelo fundamental “espetáculo-negócio” do Tour de France. Stelvio aponta que o Groupe Amaury (proprietário da ASO) organiza eventos ambientalmente questionáveis como o Rally Dakar através de desertos sensíveis, e que a TotalEnergies — uma das maiores empresas petrolíferas do mundo — é patrocinadora oficial do Tour 2026. A petição pergunta como uma empresa que gerencia rallies off-road destrutivos pode reivindicar preocupação genuína com vida selvagem. Há também suspeitas de que financistas com interesses em expandir a área de esqui de Alpe d’Huez querem usar o Tour para tornar o vale do Sarenne mais acessível e conhecido, facilitando desenvolvimento futuro.

13. O que os ciclistas profissionais pensam sobre esta controvérsia?

A maioria dos ciclistas profissionais ainda não se pronunciou publicamente sobre a questão ambiental. Do ponto de vista puramente esportivo, muitos provavelmente acham o Col de Sarenne um desafio interessante devido ao seu perfil irregular e posicionamento estratégico na etapa rainha. Ciclistas geralmente confiam nos organizadores para tomar decisões apropriadas sobre percursos. No entanto, alguns atletas em anos recentes têm demonstrado consciência ambiental crescente, e seria interessante ver se figuras proeminentes como Tadej Pogačar, Jonas Vingegaard ou outros se manifestarão sobre o equilíbrio entre espetáculo esportivo e proteção ecológica à medida que a controvérsia ganha mais atenção.

14. Como posso apoiar a causa se concordo com as preocupações ambientais?

Várias ações práticas estão disponíveis para quem deseja apoiar a proteção do Col de Sarenne: (1) Assinar a petição disponível em Change.org buscando por “Non au passage du Tour de France 2026 au col de Sarenne”; (2) Compartilhar a petição nas redes sociais para aumentar visibilidade e pressão sobre organizadores; (3) Contatar a ASO diretamente através de seus canais oficiais expressando preocupações; (4) Apoiar organizações ambientais que trabalham para proteger os Alpes franceses; (5) Educar-se sobre ecossistemas alpinos e por que são particularmente vulneráveis a perturbações. Apoiar esta petição não significa ser anti-ciclismo — significa acreditar que o esporte pode e deve ser praticado respeitando ambientes naturais.

15. Qual é o prazo para a ASO tomar uma decisão sobre o percurso?

O percurso oficial do Tour de France 2026 já foi revelado em outubro de 2024, incluindo o Col de Sarenne na etapa 20. Teoricamente, a ASO poderia modificar o percurso até alguns meses antes da corrida (julho de 2026), mas mudanças tardias são raras e complicadas logisticamente. O período mais provável para qualquer modificação seria entre dezembro de 2024 e março de 2025, quando detalhes operacionais finais são confirmados. Se a ASO mantiver silêncio absoluto e não implementar pelo menos medidas de proteção ambiental até a primavera de 2025, é provável que o plano original seja executado sem modificações. Por isso, a pressão crescente da petição nos próximos meses é crítica.

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