Uma das clássicas mais tradicionais do ciclismo mundial está prestes a passar por uma transformação histórica. A Gante-Wevelgem, corrida que atravessa 91 anos de história desde sua primeira edição em 1934, anunciou uma mudança de nome que entrará em vigor a partir de 2026. A prova passará a se chamar oficialmente “In Flanders Fields. From Middelkerke to Wevelgem”, ou “Nos Campos de Flandres” em tradução livre, numa homenagem profunda aos campos de batalha da Primeira Guerra Mundial que marcaram profundamente a região de Flandres.
Uma Nova Era para a Clássica Belga
A mudança não é apenas estética. Pela primeira vez em décadas, a palavra “Gante” deixará de fazer parte do nome oficial da corrida. Isso acontece porque a cidade de largada também mudará. Após anos partindo de Ypres, conhecida cidade histórica de Flandres Ocidental, o pelotão agora iniciará sua jornada em Middelkerke, uma cidade costeira às margens do Mar do Norte.
O anúncio foi feito conjuntamente pelos organizadores da prova e pelo prefeito de Middelkerke, Jean-Marie Dedecker, que demonstrou imenso orgulho pela conquista. “Estou imensamente orgulhoso de que Middelkerke sediará a largada da Gante-Wevelgem pelos próximos anos”, declarou o prefeito, enfatizando a importância histórica da corrida.
O Significado Por Trás do Novo Nome
O nome “In Flanders Fields” não foi escolhido por acaso. Ele faz referência ao icônico poema de John McCrae, médico e poeta canadense que serviu durante a Primeira Guerra Mundial. A região de Flandres foi palco de algumas das batalhas mais sangrentas do conflito, e até hoje abriga dezenas de cemitérios e memoriais de guerra da Commonwealth.
Segundo a organização, a corrida manterá sua essência evocando constantemente os frentes de batalha de há 100 anos. Esse vínculo entre esporte, história e memória é algo que diferencia esta prova de tantas outras no calendário mundial. A escolha de Middelkerke também reforça esse elo, já que a cidade acabou de sediar com sucesso o Campeonato Europeu de Ciclocross, demonstrando sua capacidade de organizar grandes eventos ciclísticos.
Mudanças no Percurso e Formato
Embora o nome e a cidade de largada mudem, alguns elementos permanecerão intocados. A meta em Wevelgem será mantida, preservando assim parte da tradição que dá nome à prova há quase um século. A 88ª edição da agora rebatizada corrida está marcada para 29 de março de 2026.
Vale destacar que a corrida já não partia mais de Gante desde 2003. Durante anos, as cidades de Deinze (2004-2019) e depois Ypres (2020-2025) serviram como ponto de partida. Essa mudança para Middelkerke representa, portanto, mais um capítulo na evolução natural desta clássica belga.
Quanto à prova feminina, ela manterá seu formato tradicional com largada e chegada em Wevelgem. Conforme explicou o CEO da Flanders Classics, Tomas Van Den Spiegel: “A UCI estabelece distâncias máximas para as corridas femininas e nós estamos vinculados a esses limites. Isso torna impossível a largada das mulheres em Middelkerke”.
O Prestígio de uma Clássica Lendária
A Gante-Wevelgem é frequentemente chamada de “sexto monumento” do ciclismo, embora oficialmente existam apenas cinco monumentos clássicos. Esse apelido demonstra o imenso respeito que a prova conquistou ao longo das décadas. Diferente das outras clássicas de Flandres que se concentram nas colinas das Ardenas Flamengas, a Gante-Wevelgem viaja para o oeste, atravessando planícies ventosas de Flandres Ocidental e até o norte da França.
O percurso apresenta características únicas que a tornam especial. Além dos famosos trechos de pavés (paralelepípedos), a corrida enfrenta o temível Kemmelberg, uma subida curta mas brutalmente íngreme que aparece três vezes no percurso. O vento costeiro e a possibilidade de chuva adicionam elementos imprevisíveis que frequentemente resultam em corridas épicas.
Lendas que Marcaram a História
O palmarés da Gante-Wevelgem é recheado de nomes lendários. Sete ciclistas compartilham o recorde de três vitórias cada um na prova. São eles o belga Robert Van Eenaeme (1936, 1937, 1945), outro belga Rik Van Looy (1956, 1957, 1962), o incomparável Eddy Merckx (1967, 1970, 1973), Mario Cipollini (1992, 1993, 2002), Tom Boonen (2004, 2011, 2012), o eslovaco Peter Sagan (2013, 2016, 2018) e mais recentemente o dinamarquês Mads Pedersen (2020, 2024, 2025).
Entre esses campeões, Peter Sagan detém um recorde especial: além de suas três vitórias, ele acumula impressionantes seis pódios na corrida, mais do que qualquer outro ciclista na história. Já Eddy Merckx ostenta o recorde de aparecer no top 10 por nove vezes diferentes.
Em 2022, a corrida escreveu outro capítulo histórico quando o eritreu Biniam Girmay se tornou o primeiro africano a vencer uma clássica monumento, derrotando ninguém menos que Christophe Laporte num sprint emocionante.
Uma Tendência no Ciclismo Moderno
A mudança de nome da Gante-Wevelgem segue uma tendência crescente no ciclismo internacional. Recentemente, o tradicional Critérium du Dauphiné também anunciou que passará a se chamar Tour Auvergne-Rhône-Alpes a partir de 2026. Essas transformações refletem as parcerias entre organizadores e regiões, buscando promover o turismo local e criar conexões mais profundas com as comunidades que sediam as corridas.
Para os ciclistas profissionais, essas mudanças de nome não alteram a essência das provas. O que importa são os quilômetros de sofrimento, as estratégias de equipe, as batalhas no Kemmelberg e a glória de cruzar a linha de chegada em Wevelgem como vencedor de uma das mais respeitadas clássicas do calendário UCI WorldTour.
O Legado Continua
O acordo firmado garante que o nome “In Flanders Fields. From Middelkerke to Wevelgem” será utilizado por pelo menos 10 edições, ou seja, até 2035. Isso proporciona estabilidade e permite que o novo nome se consolide na memória dos fãs e no imaginário do ciclismo mundial.
As categorias juvenis (Sub-17, Sub-19 e Sub-23) continuarão com seu “Youth Day” sediado em Ypres no dia 10 de maio de 2026, mantendo assim o vínculo com a cidade que tanto apoiou a prova nos últimos anos. Como destacou a organização: “Somos particularmente gratos pelo apoio recebido de Ypres nos últimos anos e por seu constante compromisso em cultivar os talentos do futuro”.
A história da Gante-Wevelgem está longe de terminar. Com sua nova identidade, a corrida reafirma seu compromisso de honrar o passado enquanto olha para o futuro. Os Campos de Flandres voltarão a ser palco de batalhas épicas em março de 2026, não mais com trincheiras e canhões, mas com bicicletas, coragem e a busca incansável pela vitória.
Para os amantes do ciclismo, uma coisa é certa: independente do nome, essa prova continuará sendo uma das mais emocionantes e imprevisíveis do calendário internacional, carregando em suas rodas o peso da história e a promessa de novos capítulos lendários.
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