Em 1990, o americano Ned Overend, então com 35 anos, fez história ao conquistar o primeiro título mundial oficial de cross-country mountain bike da UCI em sua cidade natal, Durango, no Colorado. Mais de três décadas depois, este ícone do ciclismo continua surpreendendo o mundo ao vencer corridas contra competidores décadas mais jovens. Sua trajetória inspira atletas de todas as idades e levanta uma questão fascinante: como é possível manter performance de elite aos 70 anos?
A Lenda Viva do Mountain Bike
Quando Ned cruzou a linha de chegada em primeiro lugar naquele memorável dia de 1990, ele não apenas venceu jovens talentos como Thomas Frischknecht e Tim Gould – ele também cimentou o mountain bike como esporte oficial reconhecido mundialmente. Naquele momento, poucos poderiam imaginar que três décadas depois, ele ainda estaria conquistando vitórias e estabelecendo recordes.
Ao longo dos anos 90, Ned continuou dominando o circuito mundial, acumulando vitórias em etapas da Copa do Mundo antes de voltar sua atenção para o XTERRA, série de triatlo off-road onde novamente se tornou campeão mundial. Mas sua lista de conquistas não parou por aí: primeiro título nacional de fat bike dos Estados Unidos, título mundial master de ciclocross pela UCI, entre inúmeros outros troféus que decoram sua carreira única.
A Vitória Recente Que Impressionou o Mundo
Há poucas semanas, Ned conquistou uma vitória que deixou o mundo do ciclismo boquiaberto. No Belgian Waffle Ride North Carolina, ele venceu a categoria de 60 milhas (cerca de 96 quilômetros), superando diversos competidores bem mais jovens e altamente treinados. O que torna essa conquista ainda mais impressionante é que Ned largou junto com os ciclistas da prova de 100 milhas, permanecendo no grupo dos mais rápidos por todo o percurso.
“A chave foi conseguir acompanhar o máximo possível dos caras rápidos que estavam fazendo as 100 milhas”, explica Ned. “Consegui me manter com o grupo de elite melhor do que os outros competidores das 60 milhas. Cruzei a linha em oitavo ou nono lugar entre os corredores de 100 milhas.” Essa estratégia de treinar regularmente com ciclistas locais super-rápidos tem sido fundamental para seu sucesso contínuo.
O Segredo da Preparação: Disciplina e Motivação
Quando questionado sobre sua preparação para a prova, Ned revela uma abordagem surpreendentemente simples, mas extremamente disciplinada. “Tentei pedalar de três a três horas e meia duas vezes por semana, algo que eu sempre soube que precisava fazer, mas completar 70 anos este ano me deu uma motivação extra para ser mais disciplinado com meu treinamento.”
Essa honestidade sobre a necessidade de motivação renovada mostra a humanidade por trás do atleta lendário. Mesmo após décadas de competição em alto nível, Ned ainda precisa encontrar formas de se manter comprometido com o treinamento rigoroso necessário para competir com os melhores.
A Perda Inevitável: Lidando com o Declínio da Performance
Com a tecnologia atual, especialmente o Strava, Ned pode acompanhar meticulosamente suas métricas ao longo do tempo. E a realidade, embora dura, é inegável: “Perdi mais de 500 KOMs no Strava. Cada vez que o Strava me envia um email com o assunto ‘Uh Oh, alguém tomou seu KOM!’, eu salvo em uma pasta especial, porque um dia vou reconquistá-los – o que nunca vai acontecer”, brinca ele com bom humor.
Essa aceitação realista do envelhecimento, combinada com o senso de humor, é uma lição valiosa. Ned continua usando os segmentos do Strava para treinos intervalados, mas aceita que não atingirá mais os tempos de alguns anos atrás. É um equilíbrio delicado entre ambição e realismo que todo atleta veterano precisa encontrar.
O Poder do Treinamento Cruzado
Um dos pilares do sucesso duradouro de Ned é sua abordagem multidisciplinar ao treinamento. “Continuei fazendo um pouco de treinamento cruzado durante toda minha carreira, e acredito que isso me tornou um atleta mais durável e equilibrado do que um ciclista típico que usa apenas grupos musculares específicos do ciclismo.”
Ele mantém a natação durante todo o ano e adiciona corrida no inverno. Para atletas mais velhos preocupados com desgaste articular, a natação oferece uma vantagem adicional: “Faço corridas de 25 metros na piscina, o que cria a tensão necessária para construir músculos. O esqui nórdico no inverno é uma excelente forma de construir força corporal completa e fazer treino aeróbico.”
Musculação e Artrite: Um Desafio Constante
Para atletas veteranos, o treinamento de força torna-se crucial para retardar a perda muscular, mas apresenta desafios únicos. “Tenho artrite nas mãos, e levantar pesos com muita frequência agrava o problema”, revela Ned. “A natação é mais suave para minhas mãos. Se faço sprints de 25 metros, consigo criar a tensão necessária para construir músculos.”
Essa franqueza sobre limitações físicas é refrescante e oferece insights valiosos para outros atletas veteranos lidando com questões similares. O esqui nórdico surge como uma alternativa excelente, proporcionando treino de força de corpo inteiro sem o impacto da musculação tradicional.
Nutrição e Metabolismo: Adaptando-se às Mudanças
O gerenciamento nutricional torna-se cada vez mais importante com o envelhecimento. Ned tem sorte de manter metabolismo acelerado, permitindo que se concentre em nutrição adequada sem preocupação excessiva com peso. “Suplemento minha proteína com um shake matinal e faço treinamento de força para prevenir a sarcopenia, a perda muscular relacionada à idade. Deveria fazer mais musculação, e esse é meu plano.”
Ele também se mantém atualizado com as últimas pesquisas sobre longevidade: “Estou constantemente pesquisando sobre longevidade, dieta, exercício, vacinação e exames de lipídios sanguíneos para evitar doenças cardíacas, além de prevenção e detecção precoce de câncer. Sou grande fã do podcast do Peter Attia.”
E-bikes: Uma Nova Dimensão de Competição
Ned abraçou as e-bikes, embora com uma abordagem pragmática. “Uso e-bikes principalmente quando pedalo com amigos que as preferem”, explica. Mas quando mira uma corrida de e-bike, ele treina especificamente algumas vezes por semana para “descobrir como cobrir terreno mais rápido em uma Levo.”
No Cactus Cup, onde compete com seu genro, Ned venceu este ano após ficar em segundo no ano anterior. Mas ele reconhece os riscos aumentados: “Sim, assumir riscos é uma consideração maior para mim agora, e as corridas de e-bike são mais arriscadas porque tudo acontece mais rápido.”
Durango 2030: O Retorno Histórico do Mundial
Em uma reviravolta emocionante, Durango receberá novamente o Campeonato Mundial UCI de Mountain Bike em 2030, marcando 40 anos desde aquele evento inaugural. “Acho fantástico porque é uma oportunidade de contar à comunidade mundial do mountain bike sobre o papel que Durango e os Estados Unidos tiveram no desenvolvimento do esporte”, entusiasma-se Ned.
A iniciativa partiu de Peter Van Den Abeele e Beat Wabel da UCI, que contataram Brendan Quirk da USA Cycling. A conexão com Durango foi feita através de ciclistas locais como Chris Blevins e Todd Wells, ambos de Durango, que conectaram a UCI com Gaige Sippy, o promotor que gerenciará toda a produção.
Ned está envolvido como consultor do comitê de corrida e participará das relações públicas. Quando perguntado se haverá categorias master e se ele competirá, responde com humor característico: “A UCI nos pediu para realizar o Mundial Master na semana anterior ao Elite, mas recusamos porque sentimos que precisávamos focar no evento principal. Então, se eu correr, terei que me qualificar para a equipe nacional. Talvez a IA possa ajudar nisso?”
Lições de Longevidade para Todos os Ciclistas
A história de Ned Overend oferece insights preciosos para ciclistas de todas as idades que desejam manter alta performance ao longo dos anos:
- Disciplina consistente: Mesmo sendo uma lenda, Ned precisa de motivação renovada e disciplina constante para manter treinos de qualidade.
- Treinamento cruzado: Natação, corrida e esqui nórdico complementam o ciclismo e previnem overuse injuries.
- Adaptação inteligente: Reconhecer limitações físicas e ajustar o treinamento (como usar natação em vez de musculação devido à artrite).
- Nutrição focada: Suplementação proteica e acompanhamento científico das últimas pesquisas sobre longevidade.
- Treino social estratégico: Pedalar regularmente com ciclistas mais rápidos mantém o nível de competitividade alto.
- Aceitação realista: Entender que a performance vai declinar, mas isso não significa desistir de competir e vencer.
- Gestão de riscos: Ser mais conservador em situações de alto risco, especialmente em e-bikes.
Conclusão: A Inspiração Continua
Ned Overend não é apenas um campeão mundial histórico – ele é prova viva de que idade é apenas um número quando combinada com paixão, disciplina e abordagem inteligente ao treinamento. Aos 70 anos, enquanto muitos de sua geração consideram o ciclismo apenas como atividade recreativa, Ned continua no pódio, vencendo competidores décadas mais jovens.
Em Durango, este berço do mountain bike americano, muitos dos melhores ciclistas do país ainda perseguem os KOMs de Ned no Strava – e ele persegue os deles. É esse espírito competitivo eterno, combinado com sabedoria acumulada em décadas de treino e competição, que faz de Ned Overend uma inspiração atemporal para todos nós.
Quando o Mundial de Mountain Bike retornar a Durango em 2030, será não apenas uma celebração dos 40 anos da primeira edição, mas também um tributo vivo à longevidade extraordinária de atletas como Ned Overend, que ajudaram a construir e continuam moldando este esporte que amamos.
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