O ciclismo feminino mundial testemunha um marco histórico que promete transformar o cenário do esporte: a Team Amani se torna a primeira equipe feminina Continental com base na África, elevando seu projeto iniciado em 2020 para o prestigiado nível UCI Continental a partir de 2026. O anúncio foi feito durante o evento Rouleur Live, em Londres, e representa muito mais do que apenas o nascimento de uma nova equipe — é a materialização de um sonho coletivo de transformar a África em uma potência do ciclismo profissional.
Da Visão ao Pódio: A Trajetória Inspiradora da Team Amani
Fundada em 2018 por Mikel Delagrange e pelo saudoso Sule Kangangi, a Team Amani — cujo nome significa “paz” em suaíli — nasceu com uma missão clara: demolir as barreiras estruturais que historicamente impediram ciclistas africanos de alcançarem o nível internacional. Durante anos, o projeto trabalhou silenciosamente, construindo infraestrutura de alto desempenho, formando atletas e criando oportunidades onde antes não existiam.
A equipe possui bases operacionais estratégicas em Iten (Quênia), conhecido mundialmente como a “casa dos campeões” devido à sua altitude de 2.400 metros e tradição no atletismo, além de Kigali (Ruanda). A AMANI House, centro de treinamento de alto desempenho localizado no topo de Iten, serve como quartel-general onde ciclistas do Uganda, Ruanda, Etiópia, República Democrática do Congo e Quênia se reúnem para treinar em um ambiente que combina altitude, rotas espetaculares e uma filosofia de simplicidade focada na excelência.
Ashleigh Moolman Pasio: A Mentora que Abre Caminhos
Uma das maiores revelações do projeto é a presença de Ashleigh Moolman Pasio como mentora e embaixadora da equipe feminina. A sul-africana de 39 anos, atualmente competindo pelo AG Insurance-Soudal no Women’s WorldTour, traz consigo um currículo impressionante: quatro participações olímpicas, cinco títulos africanos de estrada, vitória no Tour de Romandie Feminin de 2022 (tornando-se a primeira africana a vencer uma prova do WorldTour) e vice-colocações no Giro d’Italia Femminile.
Mais do que suas conquistas esportivas, Moolman Pasio representa o modelo perfeito do que a Team Amani deseja construir. Sua trajetória — desde o grave acidente de equitação que resultou em coma induzido até se tornar uma das melhores escaladoras do pelotão mundial — inspira cada jovem ciclista africana a acreditar no impossível.
“Como pioneira do ciclismo feminino africano, sinto que este é o momento certo na minha carreira para retribuir e ajudar a próxima geração de talentos africanos a alcançar o mais alto nível”, declarou Moolman Pasio. “Quando fui adequadamente apresentada ao projeto Team Amani no início deste ano, fiquei profundamente inspirada pela visão. Em vez de seguir o modelo tradicional de enviar ciclistas africanas para a Europa na esperança de que se adaptem, a Amani está construindo infraestrutura de alto desempenho na África — onde as atletas se sentem em casa, apoiadas por suas próprias culturas e comunidades — e então criando caminhos para a Europa de forma sustentável.”
Talento Africano: As Estrelas em Ascensão
O elenco feminino que estreará na temporada 2026 já apresenta nomes promissores. Xaverine Nirere, campeã nacional de Ruanda no contrarrelógio e oitava colocada geral no Gravel Earth Series de 2024, lidera um grupo diversificado de atletas do Leste Africano. A ruandesa de 23 anos exemplifica a superação que define o espírito Amani: foi a única menina a pedalar em sua região durante a juventude e aprendeu inglês sozinha através de vídeos no YouTube para poder se comunicar com a equipe.
Samuel Niyonkuru, de 22 anos, também campeão nacional de Ruanda no contrarrelógio, terminou em 28º lugar no Mundial Sub-23 de contrarrelógio realizado em Kigali, demonstrando o potencial africano quando recebe as oportunidades adequadas. Esses jovens atletas representam apenas a ponta do iceberg de um continente repleto de talentos inexplorados.
Parceiros de Peso e Visão de Longo Prazo
A Team Amani conquistou o apoio de marcas globais renomadas que acreditam no projeto revolucionário. POC (capacetes), Rapha (vestuário), SRAM, Wahoo, Fizik e Factor (bicicletas) são alguns dos patrocinadores que equipam a equipe com material de nível mundial, eliminando a histórica desvantagem tecnológica que ciclistas africanos enfrentavam.
O uniforme de 2025 da equipe presta homenagem ao shuka maasai, o tradicional tecido xadrez simbólico da vida no Grande Vale do Rift, que também é concedido aos vencedores da Migration Gravel Race, a prova emblemática criada pela própria Amani.
Objetivos Ambiciosos: Grand Tours até 2028
A estratégia da Team Amani é clara e audaciosa. A equipe planeja competir na primavera europeia de 2026, acumulando experiência e pontos UCI essenciais para, até a temporada 2028, garantir vagas nas três Grand Tours femininas: Tour de France Femmes, Giro d’Italia Women e La Vuelta Femenina.
Mikel Delagrange, cofundador e diretor da equipe, expressa a filosofia que guia o projeto: “Estabelecer esta equipe com ambições de competir nas maiores corridas do mundo dentro de três anos parece um momento divisor de águas para nosso projeto. Sempre acreditamos que, com recursos equivalentes, nossas atletas poderiam competir com as melhores. Definimos uma trajetória ambiciosa com marcos desafiadores. Acontece que nossas mulheres os alcançaram primeiro.”
Mais Que Ciclismo: Um Movimento de Transformação Social
O diferencial da Team Amani vai além dos resultados esportivos. O projeto criou toda uma estrutura de desenvolvimento com o Black Mamba Development Squad, programa que identifica e nutre jovens talentos desde a base. A iniciativa também promove eventos de grande porte como a Migration Gravel Race e a Safari Gravel Race Series, atraindo os melhores ciclistas mundiais para competir em solo africano, invertendo a lógica tradicional que sempre obrigou atletas africanos a viajarem para a Europa ou Estados Unidos.
Tsgabu Grmay, primeiro ciclista profissional etíope da história e atual diretor esportivo da Amani, resume a visão transformadora: “Se você me dissesse na época em que a Amani foi fundada que haveria uma equipe com todos ciclistas africanos juntos em uma equipe Continental, tentando crescer também no gravel e com uma equipe feminina, é algo que eu nunca imaginei que fosse acontecer. Nosso sonho não é fazer uma equipe WorldTour, mas criar uma equipe Pro Continental que dispute as maiores corridas fora da África, como o Tour de France. Realmente acreditamos que podemos fazer isso com homens e mulheres, e não é só ir com dois ou três atletas — estamos pensando em 20 mulheres e 20 homens.”
Desafios e Realidades do Ciclismo Africano
O caminho não é simples. Lauren De Crescenzo, ciclista de gravel norte-americana que participou de um campo de treinamento com a Amani no Quênia, compartilhou a dura realidade que as atletas africanas enfrentam: “A batalha delas não é apenas contra o cronômetro ou os concorrentes — é contra o ambiente. Considerações diárias incluem água limpa, nutrição confiável e cuidados básicos de saúde. Durante o campo, presenciei uma das ciclistas do desenvolvimento contrair malária no meio do acampamento.”
Esses desafios, no entanto, forjam atletas excepcionalmente resilientes. As condições de treinamento em altitude elevada, as estradas de terra vermelha que serpenteiam até 3.000 metros e o ambiente espartano de Iten criam ciclistas tecnicamente superiores e mentalmente fortes.
O Contexto Histórico: África no Ciclismo Mundial
Historicamente, a representação africana no pelotão profissional é alarmantemente baixa. Em 2021, apenas 11 dos 578 ciclistas (1,9%) que iniciaram a temporada nas equipes WorldTour masculinas eram africanos. No ciclismo feminino, os números eram ainda mais desanimadores, com praticamente nenhuma representação de mulheres negras africanas no mais alto nível.
As barreiras são múltiplas: acesso limitado a bicicletas de qualidade, escassez de competições locais, dificuldades com vistos para competir na Europa, falta de patrocínio e infraestrutura precária. A Team Amani ataca sistematicamente cada um desses obstáculos, criando um modelo replicável que pode transformar o ciclismo africano nas próximas décadas.
O Momento é Agora: Mundial em Ruanda e Visibilidade Africana
A realização do Campeonato Mundial de Ciclismo de Estrada UCI 2025 em Kigali, Ruanda, representa outro marco histórico. Pela primeira vez, o maior evento do ciclismo ocorre em solo africano, colocando os holofotes sobre países como Ruanda, Quênia, Uganda, República Democrática do Congo e Etiópia.
O terreno montanhoso e as estradas de alta altitude de Ruanda proporcionaram um palco perfeito para os melhores ciclistas do mundo, ao mesmo tempo em que destacaram o incrível talento africano que há anos permanece nas sombras. Este Mundial não apenas celebrou os atletas africanos — serviu como catalisador para expor as desigualdades no esporte e inspirar uma nova geração.
Visão 2035: Africanos Lutando pelo Amarelo no Tour de France
O sonho audacioso da Team Amani não para nas Grand Tours femininas. A visão de longo prazo, compartilhada por Tsgabu Grmay, imagina o Tour de France de 2035 com uma equipe completa de ciclistas africanos puxando o pelotão nas subidas dos Alpes e Pirineus, disputando a camisa amarela em igualdade de condições.
“Em 20 anos, acredito que haverá muitos ciclistas negros africanos lutando pela camisa amarela”, afirma Grmay com convicção. Esta não é uma fantasia — é um plano meticulosamente estruturado, sustentado por investimentos em infraestrutura, parcerias estratégicas e, principalmente, pela crença inabalável no potencial ilimitado dos atletas africanos.
Mensagem às Jovens Ciclistas: “Não Desistam”
Xaverine Nirere, que superou inúmeros obstáculos para se tornar campeã nacional, deixa uma mensagem poderosa para as jovens africanas que sonham com o ciclismo profissional: “Eu sempre quero dizer às jovens ciclistas, especialmente aqui no Leste Africano: NÃO DESISTAM! Tudo se encaixará se você continuar trabalhando nisso, porque você só pode ganhar algo se estiver na linha de partida.”
Samuel Niyonkuru complementa com uma perspectiva que captura a essência da luta africana no ciclismo: “Acho que muitas pessoas no mundo do ciclismo subestimam quanto talento existe na África e o quanto temos que lutar apenas para chegar à linha de partida. Muitos ciclistas aqui crescem com quase nada — sem bicicletas adequadas, sem planos de nutrição, sem calendário de corridas — e ainda assim conseguem atingir um nível elevado.”
O Gravel como Trampolim Estratégico
Inteligentemente, a Team Amani construiu sua reputação inicial através do ciclismo gravel, modalidade que oferece menos barreiras de entrada e mais oportunidades de visibilidade internacional. Ciclistas da Amani já competiram com sucesso nos principais eventos de gravel nos Estados Unidos e Europa, provando sua competitividade contra os melhores do mundo.
A Migration Gravel Race, evento de quatro etapas no Parque Nacional Maasai Mara no Quênia, rapidamente se estabeleceu como uma das provas de gravel mais desafiadoras e prestigiosas do planeta, atraindo estrelas internacionais para competir em território africano. Esta inversão — trazer o mundo para a África em vez de sempre enviar africanos para o mundo — é fundamental na filosofia Amani.
Impacto Além do Esporte: Mudança Cultural e Social
Mikel Delagrange, advogado que trabalhou durante anos na Corte Criminal Internacional em países do Leste Africano, entende que o impacto da Team Amani transcende resultados esportivos. O projeto representa uma plataforma de mudança social, criando modelos de referência, oportunidades econômicas e inspiração para milhões de jovens africanos.
“Se somos sérios sobre querer viver em um mundo melhor, realmente precisamos expandir esse espaço experiencial, remover as barreiras e ter uma conexão humana com pessoas que são diferentes. A extensão em que você pode promover esse tipo de coisa, mesmo que seja neste microespaço do ciclismo, é importante, e começa aqui”, reflete Delagrange.
A mensagem final da Team Amani para suas atletas é clara e empoderadora: “A única limitação que vocês têm agora é a de suas próprias imaginações. Pioneiras têm o trabalho árduo de abrir caminhos onde nenhum existia anteriormente. Mas uma vez que o caminho é pavimentado, muitos seguirão. É por isso que este momento é tão consequente — não apenas para as mulheres desta equipe, mas também para o futuro do esporte.”
O nascimento da Team Amani Continental feminina não é apenas uma notícia — é o início de uma revolução. Uma revolução que promete transformar para sempre o rosto do ciclismo profissional, provando que, quando as barreiras são removidas e as oportunidades são equalizadas, o talento africano não apenas compete — ele vence.
A jornada está apenas começando, mas a direção é clara: rumo às Grand Tours, rumo ao pódio, rumo à transformação do ciclismo mundial. E a África, finalmente, estará no centro dessa história.
FAQ – Perguntas Frequentes sobre a Team Amani
1. O que é a Team Amani?
A Team Amani é a primeira equipe feminina de ciclismo de estrada de nível UCI Continental com base na África. Fundada em 2018 e elevada ao status Continental em 2026, reúne ciclistas do Leste Africano (Quênia, Ruanda, Uganda, Etiópia) com o objetivo de competir nas maiores corridas mundiais.
2. Quando a Team Amani começará a competir oficialmente?
A equipe feminina Continental estreará na primavera europeia de 2026, com o objetivo de acumular experiência e pontos UCI para conquistar vagas nas Grand Tours até 2028.
3. Quem é Ashleigh Moolman Pasio e qual seu papel na equipe?
Ashleigh Moolman Pasio é uma ciclista profissional sul-africana de 39 anos, quatro vezes olímpica, primeira africana a vencer uma prova do WorldTour. Atua como mentora e embaixadora da Team Amani, compartilhando sua vasta experiência com as jovens atletas africanas.
4. Quais são os principais objetivos da Team Amani?
Os objetivos incluem: competir no Tour de France Femmes, Giro d’Italia Women e La Vuelta Femenina até 2028; desenvolver infraestrutura de ciclismo na África; criar oportunidades para atletas africanas; e demonstrar que ciclistas africanas podem competir no mais alto nível mundial.
5. Onde fica a base de treinamento da Team Amani?
A principal base é a AMANI House em Iten, Quênia, localizada a 2.400 metros de altitude. A equipe também possui operações em Kigali, Ruanda. Iten é conhecida como “casa dos campeões” devido à sua tradição no atletismo de elite.
6. Quais marcas patrocinam a Team Amani?
Patrocinadores principais incluem POC (capacetes), Rapha (vestuário), SRAM (componentes), Wahoo (tecnologia), Fizik (selins) e Factor (bicicletas). Essas parcerias garantem equipamento de nível mundial para as atletas.
7. O que é o Black Mamba Development Squad?
É o programa de desenvolvimento de base da Team Amani que identifica e treina jovens talentos ciclísticos na África desde as categorias iniciais, criando um pipeline sustentável de atletas para a equipe Continental.
8. Qual a diferença entre equipe Continental e WorldTour?
WorldTour é a primeira divisão do ciclismo profissional feminino, com direito automático às principais corridas. Continental é a segunda divisão, onde equipes precisam conquistar convites para grandes eventos. A Team Amani começará como Continental com ambição de crescer.
9. Quem é Xaverine Nirere?
Xaverine Nirere é uma ciclista ruandesa de 23 anos, campeã nacional de contrarrelógio, que terminou em 8º lugar no Gravel Earth Series 2024. É uma das principais atletas da Team Amani e exemplo de superação, tendo aprendido inglês sozinha para integrar a equipe.
10. O que é a Migration Gravel Race?
É uma prova de gravel de quatro etapas criada pela Team Amani no Parque Nacional Maasai Mara, Quênia. Considerada uma das corridas de gravel mais desafiadoras do mundo, atrai os melhores ciclistas internacionais para competir em solo africano.
11. Qual o significado de “Amani”?
“Amani” significa “paz” em suaíli, refletindo a missão da equipe de criar unidade, oportunidades e transformação através do ciclismo no continente africano.
12. Quantas ciclistas africanas competem no WorldTour?
Historicamente, a representação de mulheres negras africanas no pelotão profissional de elite é quase inexistente. A Team Amani foi criada justamente para mudar essa realidade e aumentar drasticamente a presença africana no ciclismo feminino mundial.

O criador desta plataforma é a prova de que experiência e inovação pedalam juntas. Fundador do Ciclismo pelo Mundo, ele transformou décadas de vivência sobre duas rodas em um dos portais mais respeitados do ciclismo nacional.
Mais que um site, construiu um ecossistema onde veteranos e iniciantes convergem em busca de evolução. Cada artigo, vídeo e análise carrega o DNA de quem não apenas pratica, mas vive e respira ciclismo há mais de duas décadas.
Do asfalto às trilhas, dos treinos básicos às estratégias avançadas, o portal traduz a linguagem complexa do esporte em conteúdo acessível e transformador. Um legado digital construído pedalada por pedalada, quilômetro por quilômetro.
