Como ciclistas usam a carga de treinamento para evitar lesões

O treinamento de ciclismo é uma prática que exige mais do que apenas tempo em cima da bicicleta. 

Para ciclistas profissionais e amadores, a busca pelo desempenho ideal está intimamente ligada ao equilíbrio correto entre esforço e recuperação

Um conceito fundamental nessa jornada é a "carga de treinamento", um elemento chave para evitar lesões e otimizar o rendimento. 

Este artigo explora de forma detalhada e técnica como os ciclistas usam a carga de treinamento para alcançar esses objetivos, analisando os mecanismos fisiológicos, as melhores práticas e as métricas envolvidas.

➥ O que é Carga de Treinamento no Ciclismo?

carga de treinamento para evitar lesões

A carga de treinamento é uma métrica que quantifica o volume e a intensidade de um programa de exercícios ao longo de um período. No ciclismo, ela reflete a soma de todos os estímulos físicos impostos ao corpo durante os treinos, e seu controle adequado é essencial para melhorar a capacidade física sem sobrecarregar o sistema muscular e cardiovascular.

A carga de treinamento pode ser dividida em dois componentes principais:

  • Carga Externa: Refere-se àquilo que o ciclista faz durante o treino, medido por variáveis como a distância percorrida, velocidade, potência gerada (medida em watts) e tempo de treino. Ferramentas como medidores de potência e GPS auxiliam na mensuração da carga externa.
  • Carga Interna: Refere-se à resposta fisiológica do corpo ao esforço externo, medido através da frequência cardíaca, percepção de esforço (RPE - Rating of Perceived Exertion) e até marcadores bioquímicos como lactato no sangue.

Uma gestão eficaz da carga de treinamento envolve encontrar o ponto ideal entre a carga interna e externa, proporcionando ao corpo estímulo suficiente para gerar adaptações, mas não excessivo a ponto de provocar fadiga crônica ou lesões.

➥ A Importância do Equilíbrio na Carga de Treinamento

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Um dos principais desafios para ciclistas é encontrar o equilíbrio adequado na carga de treinamento, o que implica em evitar tanto o overtraining (sobrecarga excessiva) quanto o undertraining (carga insuficiente). Esses dois extremos têm efeitos distintos sobre o desempenho e a saúde do ciclista.

  • Overtraining: Ocorre quando a carga de treinamento excede a capacidade de recuperação do corpo. O excesso de estresse físico, combinado com uma recuperação inadequada, leva ao esgotamento físico e mental, aumento do risco de lesões, queda na imunidade e até a um declínio no desempenho.
  • Undertraining: Por outro lado, o subtreinamento pode resultar na falta de estímulo adequado para promover melhorias de desempenho. A intensidade e o volume insuficientes levam a estagnação, fazendo com que o ciclista não atinja seu potencial máximo.

Esse equilíbrio pode ser descrito pela relação carga-recuperação. O corpo humano, após ser submetido a estresse físico, entra em um processo de supercompensação, onde se adapta ao estímulo para melhorar a resistência, força e capacidade aeróbica

No entanto, para que essa supercompensação ocorra, é fundamental que haja um período adequado de recuperação, caso contrário, os efeitos podem ser negativos.

➥ Métricas e Ferramentas para Medir a Carga de Treinamento

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O desenvolvimento tecnológico trouxe uma série de ferramentas e métricas que permitem monitorar a carga de treinamento de forma precisa. No ciclismo, o uso de dispositivos como medidores de potência e sensores de frequência cardíaca é comum para coletar dados relevantes.

Potência Normalizada (NP)

Uma das principais métricas utilizadas por ciclistas de alto nível é a Potência Normalizada (Normalized Power, NP). Ela leva em conta as variações de potência durante um treino e estima o esforço fisiológico real que o ciclista realizou. 

Ao contrário da potência média, que pode ser influenciada por períodos de baixa intensidade (como descidas), a potência normalizada reflete com mais precisão o impacto fisiológico total do treino.

Training Stress Score (TSS)

Outra métrica amplamente utilizada no ciclismo é o Training Stress Score (TSS), que combina duração e intensidade do exercício em um único valor numérico. Desenvolvida pela TrainingPeaks, a TSS permite aos ciclistas comparar diferentes treinos e monitorar o acúmulo de fadiga ao longo do tempo.

O TSS é calculado com base na intensidade do treino (medida pela potência em relação ao limiar de potência funcional do ciclista) e sua duração. Um TSS de 100 corresponde, por exemplo, a um esforço máximo realizado por uma hora. Quanto maior o TSS, maior a carga de treinamento e, consequentemente, maior o estresse imposto ao corpo.

Acute Training Load (ATL) e Chronic Training Load (CTL)

Outro conjunto de métricas amplamente utilizado são o Acute Training Load (ATL) e o Chronic Training Load (CTL). Essas métricas ajudam a entender o equilíbrio entre a carga de treino recente e a carga acumulada ao longo de um período maior.

  1. ATL: Refere-se à carga de treino aguda, ou seja, o estresse imposto ao corpo nos últimos 7 dias. Um valor alto de ATL indica que o ciclista tem treinado de forma intensa recentemente, o que pode levar ao cansaço e à necessidade de recuperação.
  2. CTL: Representa a carga de treino crônica, ou o estresse acumulado ao longo de um período mais longo (geralmente 42 dias). Um alto valor de CTL indica uma boa base de condicionamento físico, ou seja, o corpo está bem adaptado a uma carga maior de esforço.

Fator de Intensidade (IF)

O Fator de Intensidade (Intensity Factor, IF) mede a intensidade de um treino em relação ao limiar de potência funcional (FTP) do ciclista. Um IF de 1,0 significa que o ciclista treinou exatamente no seu FTP, enquanto valores acima de 1,0 indicam treinos realizados acima do limiar, o que pode ser extremamente desgastante.

➥ Estratégias para Usar a Carga de Treinamento a Favor do Desempenho

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A partir das métricas mencionadas, ciclistas e treinadores conseguem criar estratégias detalhadas para maximizar a performance e reduzir o risco de lesões. A seguir, algumas abordagens utilizadas para gerenciar a carga de treinamento de forma eficaz.

Periodização do Treinamento

A periodização é uma estratégia de treinamento que envolve a organização do programa de exercícios em ciclos. Cada ciclo é voltado para diferentes objetivos, como o aumento da resistência, força, velocidade ou recuperação. A periodização permite ajustar a carga de treinamento de forma sistemática, evitando o acúmulo excessivo de estresse e otimizando a preparação para competições.

Os principais tipos de periodização são:

  • Periodização Linear: Começa com um volume maior de treinos com baixa intensidade e, à medida que o ciclo avança, a intensidade aumenta e o volume diminui. É amplamente usada por ciclistas que têm uma temporada competitiva bem definida.
  • Periodização Ondulatória: Alterna entre diferentes níveis de intensidade e volume dentro de curtos períodos, o que permite variações mais dinâmicas no estímulo de treino. É útil para ciclistas que querem manter a forma durante todo o ano ou têm múltiplas competições ao longo da temporada.

Controle da Fadiga e Otimização da Recuperação

Uma parte essencial do gerenciamento da carga de treinamento envolve monitorar os sinais de fadiga. Fadiga excessiva pode não apenas diminuir o desempenho, mas também aumentar significativamente o risco de lesões. Ciclistas devem prestar atenção em marcadores subjetivos e objetivos para ajustar a carga de treinamento:

  • Percepção de esforço: Embora seja uma métrica subjetiva, a percepção de esforço fornece um indicador valioso sobre o estado físico geral do ciclista. Se a sensação de esforço for consistentemente maior do que o esperado, isso pode indicar fadiga acumulada.
  • Variação da frequência cardíaca: Um indicador mais objetivo de recuperação e fadiga é a variabilidade da frequência cardíaca (HRV). Um HRV baixo pode ser sinal de que o sistema nervoso autônomo está sob estresse, o que indica a necessidade de reduzir a carga de treinamento.

Treinos Polarizados

Uma estratégia amplamente aceita por ciclistas de elite é o treinamento polarizado, que envolve dividir o tempo de treino entre sessões de baixa intensidade e sessões de alta intensidade, com poucas atividades em intensidade moderada

A proporção ideal é tipicamente de 80% de baixa intensidade e 20% de alta intensidade. Isso permite ao corpo maximizar a adaptação aeróbica sem sobrecarregar o sistema cardiovascular e muscular.

➥ Prevenção de Lesões Através do Controle da Carga

Um dos maiores benefícios do controle adequado da carga de treinamento é a prevenção de lesões. Lesões por uso excessivo são comuns em ciclistas e, na maioria das vezes, são resultado de um aumento muito rápido na carga de treino ou de uma recuperação inadequada.

Progressão Gradual

A chave para evitar lesões está em aumentar a carga de treinamento de forma gradual. A regra de ouro é seguir a regra dos 10%, que recomenda aumentar a carga semanal em no máximo 10%. Isso dá ao corpo tempo suficiente para se adaptar ao novo estímulo sem sobrecarregar músculos, tendões e articulações.

Monitoração de Sinais Precoces

Outra prática importante é monitorar sinais precoces de lesões, como dor persistente, fadiga localizada e alterações na biomecânica. Ajustes imediatos na carga de treino podem prevenir que pequenos desconfortos evoluam para lesões mais graves.

O controle da carga de treinamento no ciclismo é uma ciência e uma arte. Ao combinar dados precisos, estratégias de periodização e uma abordagem equilibrada entre esforço e recuperação, ciclistas conseguem maximizar o desempenho e minimizar os riscos de lesões. 

O uso de métricas como TSS, CTL, ATL e IF permite um monitoramento detalhado da carga, enquanto a adaptação individual a esses dados é o que, em última análise, transforma a fórmula oculta em resultados tangíveis.

Essa abordagem técnica e científica é o que diferencia os ciclistas de elite e aqueles que conseguem manter uma carreira duradoura, evitando lesões e atingindo um nível superior de desempenho. O equilíbrio, acima de tudo, é a chave para o sucesso.

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